quinta-feira, 5 de abril de 2012

Ibicaraí: o Iraque é aqui


Por José Nilton Calazans

Nos últimos anos, Ibicaraí assistiu a uma quantidade alarmante de
homicídios. Em 2009 e em 2010, foram assassinadas 32 pessoas em
Ibicaraí, segundo um levantamento nacional realizado pelo Instituto
Sangari a partir dos números do Ministério da Saúde. Isso dá uma taxa
de 66 homicídios por 100 mil habitantes ao ano, que é maior que a taxa
de mortes da guerra do Iraque. A ONU considera como epidêmica e
altamente preocupante qualquer taxa a partir de 10 assassinatos por
100 mil habitantes. Com esse resultado, Ibicaraí ficou entre os 90
municípios que mais matam no Brasil. Na Bahia, Ibicaraí já está entre
as 14 cidades com maior índice de homicídios, considerando os números
apurados em 2009 e em 2010.

Esses números são resultado direto de um conjunto de fatores, entre os
quais se destacam a oferta de armas de fogo, o aumento do consumo de
drogas, a baixa escolaridade e o desemprego entre jovens, além do
aumento da riqueza das cidades pequenas. Mas considero que nenhum
desses problemas teria força para se impor sobre a quantidade de
assassinatos se tivéssemos no interior do Brasil uma Justiça mais bem
aparelhada.

O aumento recente da riqueza dos municípios menores somado à elevação
do consumo de drogas nos últimos anos veio em um ritmo mais rápido do
que esperava a estrutura de Justiça, incluindo aí a polícia. Quando a
Justiça não consegue acompanhar com reação eficiente à criminalidade,
há um nítido efeito da justiça pelas próprias mãos. O mecanismo que é
posto em ação é o da vingança, parte importante da natureza humana,
utilizado pelas comunidades tribais desde as origens mais remotas da
humanidade.

O americano Steven Pinker mostrou em seu livro "The Better Angels of
Our Nature" (os melhores anjos da nossa natureza) que 95% das culturas
mantêm a vingança como forma necessária de convivência. A vingança é
usada como instrumento para dissuadir o mais esperto de se apoderar do
bem alheio ou mesmo qualquer outro mal que se queira cometer. É o olho
por olho, dente por dente.

Quem não consegue receber uma dívida por droga não pode recorrer a um
tribunal, e é obrigado a fazer a sua justiça pelas próprias mãos. Mal
comparando, o mesmo ocorre com um fazendeiro que se vê diante do roubo
de seu cacau ou de seu gado mas não pode contar com uma justiça rápida
e eficiente. A história da região cacaueira é fértil em episódios de
emboscadas e chacinas levadas a fio por ganância e vingança. A
cobrança das dívidas de drogas e os casos de roubos para consumo de
drogas apenas vêm se encaixar em uma cultura arraigada.

É uma cultura mais próxima do princípio animalesco do que da sociedade
evoluída, em que a Justiça substitui o papel do “vingador” com seus
mecanismos neutros de punição e castigo. Sem Justiça eficiente não é
possível acumular capital e desenvolver a sociedade. Até é, mas com o
custo de se defender com as próprias mãos ou com a de pistoleiros,
descambando inevitavelmente para o descontrole que fere inocentes.

Esse descontrole em que Ibicaraí entra hoje pode ser evitado com a
valorização da Justiça, oferecendo a ela os recursos técnicos e
humanos necessários para trabalhar.

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